quinta-feira, 24 de junho de 2010

Capítulo 4

Clara agora cavalgava todos os dias por mais de hora. Às vezes parava e deitava na relva, sentindo o sol de inverno queimar seu rosto. Chorava, então. Muito. Não sabia bem por quê. Mas se sentia esvaziada quando chorava. Maria e Daniel notavam seus olhos inchados mas nada falavam. Deixavam-na assim, quieta, bebendo seu cálice de vinho em frente à lareira antes do jantar.
Uma noite, chegou uma visita. Era um homem um pouco mais novo do que ela, sobrinho de Maria. Levou um violão e, depois do jantar, saiu para a varanda e começou a dedilhar uma canção.
Era uma noite quente, em pleno inverno, anunciando que vinha chuva. Ficaram ali, sentados, ouvindo o violão até tarde. Então o casal se recolheu. Quando Clara se deu por conta, estava a sós com o estranho e se sentiu bem. Ele a olhava de vez em quando, enquanto cantava. Ela sorria.
De repente, começou a tocar uma música que Clara conhecia, e ela, sem querer, começou a cantar. O estranho, que se chamava Marcelo, ia cantar junto, mas preferiu calar-se e deixá-la cantar sozinha. A princípio timidamente, depois com mais paixão, Clara cantou várias músicas. Até que, ao fim de uma delas, baixou os olhos e teve aquela mesma sensação de vazio que sentia quando chorava.
O silêncio durou um tempo, então Marcelo foi embora em um Jeep barulhento.
Ela sabia que em breve as coisas teriam que mudar. Suas "férias" não durariam para sempre. Teria que ter muita coragem.

Ansiedade

Bipolar.
Quem esse médico pensa que é para me dar um rótulo? Em apenas 20 ou 30 minutos de conversa... Mais eficiente do que muito radiologista, para enxergar a gente assim, por dentro...
Continuo triste. Continuo ansiosa.
Não estou nos meus melhores dias. É quando você sabe que é perfeitamente dispensável para a maioria das pessoas. É quando você não consegue ser especial mesmo para as pessoas para quem significa algo. É quando, depois de tantos anos, você parece ter caído em um vácuo, e a sua vida não tem mais sentido nenhum, e você não tem forças para levantar, nem vontade.
Sigo fingindo. Tento um pouco todos os dias. Mas devo aprender a contar até 100, porque até 10 já não adianta mais.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

De volta para casa

Tem dias em que me sinto assim, de volta para casa. Calma, segura, sem pressa... Fico então prometendo que não vou mais me deixar atingir tanto por certas coisas. Que não vou sair do sério. Que não vou falar demais; esse, sim, sempre foi o meu maior problema: achar que as pessoas entenderiam a minha verborragia.
Mas as pessoas não compreendem os outros porque não estão tão dispostas a olhar de verdade para os outros. Ouvem e depois vão repetindo o que ouviram à sua tosca maneira. Um belo dia você descobre que "fez" ou "disse" coisas que nunca lhe passaram pela cabeça. Distorcem o que você falou numa ânsia de destruir alguém.
Hoje uma pessoa muito chegada descobriu que está com câncer. Mais uma vez olhei à minha volta e senti que esse ano parece que o mundo vai desabar à minha volta. Tanta coisa ruim acontecendo, gente boa sofrendo, gente ruim se dando bem sempre... Eu mesma fiz coisas que magoaram muito pessoas que me são caras, porém tento ultrapassar a culpa e adquiro uma enorme carapaça que carrego e que está me destruindo.
E tenho essa característica... somatizo tudo o que me acontece na cabeça. Preocupação demais me gerou problemas na coluna cervical, ou seja, o fluxo de energia para o cérebro ficou trancado ali. Carga emocional para "carregar" nas costas resultou em problemas na coluna lombar, denunciando que estou tentando carregar mais peso do que posso.
Estou tentando me livrar desse peso em minha vida. Torná-la mais leve. Me tornar mais leve para os outros, porque sei que sou muito pesada. Mas também gostaria às vezes de simplesmente ser invisível, sumir...

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Capítulo 3

Ela entrou na casa, tão familiar para ela. Ao mesmo tempo, era estranho estar ali, naquele momento. O casal, Maria e Daniel, começou a tirar umas coisas do carro, mas ela ficou ali, paralisada, maravilhada com tudo... como poderia tudo estar no mesmo lugar depois de tanto tempo?
De repente ouviu um grito vindo lá de fora:
- Clara!
Era ela, Clara! Seu nome parecia ter saído de um túnel do tempo, se é que existe um túnel do tempo.
- Sim? - respondeu. - Ah! Deixem eu ajudá-los!
- Não! Apenas queremos que solte os cavalos lá atrás!
- Eu? Soltar os cavalos?
- Sim, você sempre adorou eles...
Estranho... Mas fez o que eles mandaram. Quando chegou lá e sentiu o cheiro dos animais, lembrou de seus cabelos voando enquanto cavalgava, de vestido e pés descalços. O arrepio que sentia ao entardecer, quando começava a esfriar, e também do frio na barriga que sentia quando o cavalo apertava o passo.
O que mais adorava era quando cansava, descia da sela e caminhava no pasto, o contato úmido com seus pés, a solidão e a paz indescritível que tomavam conta dela. As sensações que percorriam seu corpo depois de cavalgar... Havia um pequeno riacho onde sentava e observava umas pequenas borboletas amarelas que se reuniam ali às vezes.
De repente, sentiu um cheiro maravilhoso, que a fez ir para dentro da casa. Maria havia passado café. E Daniel estava colocando sobre a mesa aqueles biscoitos de polvilho que ela amava, uma geléia de morango e um queijo branco. Olhou para ela e disse:
- Sente-se. Você precisa descansar. Agora vai ver que tudo vai ficar bem.
Ela baixou o olhar para a mesa, alisou com a mão a toalha de linho meio amarelada, e sentiu um misto de alívio e tristeza. Sentiu saudades da filha.

O túnel

Volto o olhar para dentro de mim e não consigo enxergar a verdade... tudo o que vejo é uma pessoa infeliz, insatisfeita, arrependida de suas escolhas e sem coragem de seguir em frente.
Até que ponto o que sinto é uma doença? Ou é realmente infelicidade, insatisfação com a vida? Onde está o limiar da loucura? Onde está o ponto de onde não podemos mais voltar atrás? Ou de onde não podemos continuar mais?
A cada dia percebo um pouquinho sobre esse mal estar. Quando estou fraca, tudo me atinge, um simples bom dia que eu sei que é falso me derruba, uma pessoa demonstrando má vontade e... é como se um tiro me atingisse.
Saio de casa com um frio na barriga, aos poucos me encaixo no andar da carruagem, mas ao final do dia tenho a sensação de que vou explodir.
Então, esse fim de semana resolvi pensar em uma coisa de cada vez. Saí para caminhar muito, olhar vitrines, comprar umas coisinhas. No outro dia, fiz exercícios, o que me dá muito prazer.
Tenho que redescobrir o prazer em minha vida de qualquer forma! Uma pessoa que me atende bem em uma loja já me faz acreditar de novo no ser humano, que tantas decepções tem me proporcionado. Uma frase bem escrita me dá prazer, um comentário no blog me instiga a escrever mais...
Parece que estou caminhando "no vale das sombras". Um momento negro de minha vida. Mas tenho que passar por isso, é como um túnel que me levará a um mundo cheio de sol do outro lado. O tamanho desse túnel sou eu que vou determinar.