Marcelo apareceu na noite seguinte, e na outra também. Mas Clara não parecia disposta a conversar muito. Sentia como se estivesse se abrindo e não queria. Desconfiada, sempre fora. Ficava escutando as conversas dele com Maria e Daniel, às vezes riam bastante, às vezes ficavam lembrando de pessoas que conheciam.
Sempre fora meio anti-social. Não se interessava pela vida de pessoas que nem conhecia. Fofocas, então, sempre era a última a saber e, mesmo assim, muitas vezes nem sabia de quem se tratava. Aquilo a irritava um pouco. Várias coisas a incomodavam.
Até que, em poucos dias, Marcelo apareceu de manhã. Ela ouviu a conversa alta na cozinha, que também era sala ao mesmo tempo. Não gostou de ser acordada tão cedo, afinal queria descansar, era para isso que estava ali. Só para isso?
Bateram na porta de seu quarto.
- Entra! - ela falou, desanimada.
Era Marcelo. Como ele se atrevia bater assim à sua porta?
- O que foi?
- Levante daí e vamos sair...
E saiu. Ela sentia agora o adorável cheiro de café recém passado. Vestiu um jeans velho, um blusão de lã bem grosso que adorava e que lhe caía muito bem, uma touca e umas botas estilo cowboy. Escovou os longos cabelos loiros e chegou à sala. Não havia ninguém. Estavam lá fora, com suas xícaras de café, sentados ao sol.
Marcelo estendeu uma para ela e sorriu, olhando-a nos olhos de um jeito que a fez sorrir também.
- Tome somente o café. Vamos comer na cidade. Você vai gostar. A melhor confeitaria daqui!
Ela tomou o café e entrou no Jeep com ele. Ele lhe ofereceu um cigarro, ela aceitou. Sempre tinha adorado fumar andando de carro - embora não tivesse o vício de fumar, apenas um hábito que lhe dava prazer. Ele ligou o som e uma música antiga tocava. Vieram recordações à cabeça de Clara. Mas não recordações de coisas que aconteceram, e sim de coisas que ela costumava sentir há muito tempo atrás.